Como um serviço de alto-falantes ajudou a quebrar a hegemonia do Partido Republicano em Viçosa…
Comunicação e política são habilidades e/ou práticas interligadas e que podem trazer resultados eficientes quando desenvolvidas com maestria. Há pessoas que nascem com grande aptidão e, ao longo da vida, vão dando mostras do crescimento de seu aprendizado nessas duas áreas.
Francisco (Xico) Simonini da Silva, desde a adolescência, se interessou por essas duas áreas, principalmente pela política do país – particularmente a partir do episódio que culminou com o suicídio do ex-presidente Getúlio Vargas, na década de 1950 – e de sua cidade. Exercendo o direito da comunicação e da política, ele vivenciou um fato inédito na história política local, para o qual contribuiu à sua maneira: a primeira derrota do Partido Republicano (PR), do ex-presidente da República Arthur da Silva Bernardes (1875-1955), em Viçosa, que durante décadas monopolizou politicamente o município.
Tudo começou no final da década de 1950, quando Xico atuou como apresentador de programas de rádio em Viçosa, nas áreas esportiva e do entretenimento. Por volta de 1958, ele mantinha, na Rádio Montanhesa de Viçosa AM (a ZYV-4), um programa de boa audiência, que ia ao ar, de segunda-feira a sábado, das 10h ao meio-dia: “Convite para ouvir a sua música”, no qual se destacava o quadro “Telemúsica e o nosso bate-papo pelo telefone”. O grande atrativo do programa, além dos ingressos de cinema (batizados de “cinemascópicas”) distribuídos a quem acertasse determinadas perguntas, era a possibilidade – pouco comum na época – de o público conversar, ao vivo, com o apresentador, ao pedir a música de sua preferência.
Em1962, ano eleitoral, a prefeitura de Viçosa era comandada por uma conhecida liderança do PR. A cidade esperava por uma grande obra pública, a Praça municipal de Esportes (também conhecida como AEV, na avenida Bernardes Filho, a do bar do Leão), construída com recursos do estado de Minas Gerais – vindos também do PR -, que já estava praticamente pronta. No entanto, a administração aguardava a proximidade das eleições municipais para realizar a sua inauguração e alegava como motivo um problema de infraestrutura. A comunidade, consciente da urgência da necessidade para a juventude do município, porém, não se conformava com a espera desnecessária.
Para tentar reverter essa expectativa, o radialista começou a dar sua contribuição, de maneira discreta, mas incisiva no dia a dia da população. Em seu programa diário, a cada vez que iria atender ao pedido de música de um ouvinte, aproveitava para reforçar a reivindicação da população: “E vamos inaugurar a Praça de Esportes…”.
Coincidentemente, um novo fato contribuiria decisivamente para mudar o panorama político local, por meio das relações sociais e de trabalho no município. Insatisfeitos com o valor e os atrasos no pagamento dos salários, fato que se estendia havia algum tempo, os nove funcionários da Rádio Montanhesa resolveram organizar um movimento de greve. Para reforçar a iniciativa, solicitaram a adesão de Xico, cujo programa era de grande audiência na cidade. Embora não fosse empregado da emissora – ele comprava o horário para a veiculação de seu programa – Xico, fiel a seu perfil socialista, resolveu apoiar o movimento. Até porque, nessa época, havia o agravante de a Rádio Montanhesa ser de propriedade de integrantes do grupo político do PR.
Os patrões resolveram manter a rádio no ar, mesmo que de forma improvisada, mas os empregados revidaram com uma pequena e amadora tentativa de prejudicar o funcionamento das linhas de transmissão. A falta de profissionalismo dos “grevistas” foi superada facilmente pelos proprietários, que imediatamente colocaram a emissora no ar. E o caminho inevitável era a saída de todos os grevistas da rádio, incluindo Xico.
No entanto, eles não desistiram de sua atividade, nem de seus ideais. Como possuía os equipamentos de seu conjunto musical, que estava momentaneamente parado, Xico utilizou-os para montar um sistema de alto-falantes bem no centro da cidade. Conforme o texto da portaria de registro do serviço (nº 884, de 01/08/1962), a empresa se destinava a “fins exclusivos de propaganda comercial e política”.
A partir daí, instalado nos fundos da casa de uma tia de Xico, na Travessa Simonini, diariamente das 18h às 22h, o Serviço de Alto-Falantes Publicidade Simonini Silva se dedicava a fazer propaganda explicitamente contra o PR, entremeada por música e informação, atraindo o interesse da população que morava e/ou passava pela região. Durante três meses, ininterruptamente, essa prática acabou por consolidar ou conquistar/formar novos adversários ao partido do ex-presidente Bernardes.
Confirmando o ditado – “água mole em pedra dura, tanto bate, até que fura…” -, a iniciativa do Serviço de Alto-falantes e a persistência de Xico e dos ex-funcionários da Rádio Montanhesa acabaram por contribuir firmemente para que o PR não assumisse a prefeitura pela primeira vez, em 21 anos, por voto direto da população. Antes, a única vez em que isso havia ocorrido foi, sem voto popular, logo após a Revolução de 1930, quando o então presidente Getúlio Vargas nomeou um intendente para o cargo. Dessa vez, porém, o prefeito Moacyr Andrade e o vice César Sant’Anna, juntamente com a colaboração e empenho de idealistas, como Francisco Simonini, conseguiram quebrar a hegemonia do PR e ajudaram a mudar a realidade política de uma cidade, tornando-a mais plural e democrática.
– Jornalista João Batista Mota
Clique e acesse na íntegra a Portaria de registro de serviço de Alto-Falantes N° 884