Este Xico visto pela ótica de um amigo, de um especial amigo, de um admirável amigo: José Dionísio Ladeira, em seus livros:
Dizem que, ainda no ventre da D. Chiquita, Xico já não concordava com umas tantas coisas e estava até disposto a não nascer….
A lei da natureza, porém, não é a lei do inquilinato: vencido o prazo, tem de sair mesmo. E o certo é que o Xico nasce. Nasce e já vai botando as manguinhas de fora.
Repete a pergunta do espanhol:
– ?Hay gobierno em esta tierra?
E confirmada a expectativa:
– !Yo soy contra!
Zé Serafim se apavora e chama o Padre Mendes:
– Precisamos batizar este menino ainda hoje!
O problema era o nome. Como se chamaria “el contestador”?
E surge uma lista de nomes: Braz Schettini, Nestor Pataro, Euter Paniago, Aguinaldo Pacheco, Toninho Araújo, Itamar Franco…
Padre Mendes fala:
– Não, gente! O menino parece que já nasceu sem estopim. Ainda vamos botar um nome desses?!
Alguém propõe para provocar:
– Bota Fernando! Não importa se aquelle. Se o daqui. Se o dalhures…
Uma veia cresce no pescoço do recém e Padre Mendes faz a proposta final:
– Batizemo-lo por Francisco. Se não se assemelhar em mansidão ao “poveretto” de Assis, pode – quem sabe? – contentar-se em ser homônimo do tio rico. O Chico Simonini, com ch …
Vox sacerdotis, vox Dei.
E ”Seu” Antônio Mendes e D. Bininha lá se vão – em vão? – levando o rebento para ser batizado pelo Padre Álvaro, com a recomendação expressa do Padre Mendes::
– Capricha aí, para vermos se o menino se acalma…
Batizaram o Xico. Jogaram água benta nele. Amansou?
Como dizem os franceses:
– Jamais!
Xico sempre foi assim. Se você lhe pergunta: “Xico, você é a favor do…?” Ele fica calado. Não te responde. Mas a veia do pescoço já começa a crescer. Mas quer ver o Xico falar com todo o entusiasmo, com a veia à mostra? Pergunte-lhe: “Você é contra o …?”
Por isso não foi surpresa quando, frangote ainda, Xico falou pro Zé Serafim:
– Com licença, eu vou à luta!
A primeira foi contra o Maurinho Fontenelle, que, aliás, era bem menor que ele… Tanto que, para acerta-lhe um soco no olho, Maurinho teve de subir dois degraus da escada do pátio do Colégio de Viçosa.
Foi nessa época que conheci melhor o Xico, menino de 14, 15 anos, quando ele, Pélmio Simões de Carvalho e José Borges Pinheiro Filho idealizaram fundar um jornal para os estudantes do Colégio de Viçosa e estavam atrás de um nome.
– Vox Angelorum – sugere o Zé Borges.
– Folha de não sei-o-quê – propõe o Pélmio.
– O Dinamite – impõe o Xico.
E acrescenta:
– É para estourar logo!
O certo é que O Dinamite venceu. Dinamite macho, tchê.
Igual ao Brizola…
E eu e o Lopes estávamos com vergonha, porque o explosivo feito à base de nitroglicerina é do gênero feminino…
Deveria ser A Dinamite… Mas quem iria contrariar o Xico e vestir o nome do seu jornal com um “a” que – a seu conceito – indicaria fragilidade?!
Não seria o Xico, admirador do Brizola macho, tchê?
Pélmio, Diretor; Zé Borges, Tesoureiro; Xico, Redator.
Lopes me diz:
– Dionísio, você que é muito amigo daqueles meninos, veja se dá um jeito…
E me mostra.
# Pélmio havia escrito um editorial em que falava no suicídio… de um cavalo do Higino, pai do Murrudo!
# Xico ia fundo num artigo contra duas consoantes muito caras ao velho mestre: o “pê” e o “erre” …
Penitenciou-se o Pélmio:
– Em respeito à dor alheia, não noticiarei suicídio em meu jornal…
Xico me ouviu:
– Pra que ir com tanta sede ao pote? Encorpe-se um pouquinho mais e você poderá dar as alfinetadas que quiser no espólio do “Saudoso” …
E, retratando a fibra daqueles meninos, O Dinamite circulou dois anos, antes de explodir…
Mas não demorou muito e, em 1962, O Alfinete do Xico, do Simão e do Sidney andou espetando o PR até a vitória final das oposições…
Passada a mudança da política viçosense, o interesse do Xico se dividiu entre a música e o futebol.
Dr. Januário não gosta do Rock’in Comets, que cheirava a Bill Halley and his Comets, e Xico protesta:
– Mas Doutor! E a lei?!
E Monsieur Janu, batendo no peito, com força:
– François! François! La loi c’est moi!
E Xico teve que se contentar com o Simonini Silva e seu Conjunto, que andou abrilhantando uns bailes pela década de 60 afora.
Xico tocava acordeom. Um dia tocou Asa Branca para a turma e nós ficamos conversando sem prestar atenção à música. Quando ele acabou, pedimos:
Xico, toca Asa Branca…
A veia do pescoço cresceu e, se não fossem a Paulina e a Cicinha, estávamos perdidos…
O Xico, admirador do Brizola macho tchê!
Mas o Xico se queimou pra valer mesmo foi no futebol. Na época em que Veludo e Castilho se revezavam no gol do Fluminense e da seleção, Xico era o eterno reserva do time do Colégio de Viçosa, sujeito a levar gol até do Zé Garrincha que, seguindo as instruções do Zé do Álvaro, chutava forte, com efeito e no canto. Pois sim…
Sua carreira se encerrou prematuramente no dia em que devolveu uma bola para o meio do campo e o adversário a emendou com um chutão por cobertura, que foi direto na última gaveta à esquerda do seu gol.
Você vai dizer:
– Mas um gol desses até o goleiro da Checoslováquia poderia ter levado…
– Poderia ter levado do Pelé! Mas quem chutou no Xico foi o Pélmio, um moleirão que não tinha lugar nem no time do Lar dos Velhinhos…
Xico teve também um programa na Montanhesa, cujo nome – longo – mais parecia título de tese na UFV: “Tele música e o nosso bate-papo por telefone”.
Pitucha liga:
– Xico, você podia parar com esse programa. Está muito chato.
E o Xico no ar, com ares de educado:
– Olhe, no seu rádio há uns botões… É só mudar de estação ou desligar…
E o futuro cunhado:
– Não dá! É o rádio do vizinho…
Depois Xico saiu de Viçosa. Foi fazer Pedagogia por essas Minas Gerais. Foi fazer Mestrado em Educação em São Paulo. Tornou-se disseminador de cursos e escolas: Agropecuário, Ginásio da CNEC e Pequeno Príncipe em Florestal, Anglo em Cataguases e Viçosa, Génesis – e agora ESUV, em Viçosa, FASAP, em Santo Antônio de Pádua e proximamente FADIP, em Ponte Nova – além obviamente do Raul de Leoni, onde criou maternal e pré, 1ª à 4ª série, Auxiliar de Análise Química.
Mas, quando o Naninho lhe telefona que mandava uns papéis para a Caixa financiar ao Xico e ao Hildécio a compra do Raul de Leoni, Paulinho Araújo fala, para provocar o Xico:
– Ih! Vão acabar com o Colégio!
Sabiá estudava lá, numa sala em que havia umas tantas lâmpadas queimadas. Biá faz uma coleta com os colegas de turma, compra as lâmpadas e convida o Xico para a inauguração. Era o teste…
O Xico e as lâmpadas se queimam…
Quando volto para Viçosa, reencontro-o na UFV, às voltas com a ASPUV – contra Fagundes – mas capaz de, no Natal, levar vasinhos de flores para cada um dos então 26 colegas do Departamento. De periodicamente levar lindos buquês para a Paulina. Incapaz de ir dormir sem beijar a cada um dos filhos.
Uma vez me disseram:
– Se você não tem um amigo para lhe dizer a verdade, arranje um inimigo.
Xico é bom para isso. Num e noutro caso.
Viçosa inteira o conhece. Cronista de especial trato com a palavra (não obstante sempre dando suas cacetadas…) e sobretudo brizolista de carteirinha, candidatou-se a prefeito, a deputado, perdendo todas, mas sem fazer concessões… Confessa-se “homem de desconfiança do Poder”.
Posteriormente aposentado, voltou a dirigir colégios, a divergir de tanta coisa, a lecionar para jovens que aspiram à Universidade.
Depois criou um jornal que o retorna a O Dinamite de 40 anos antes. Dá gosto Vê-lo escrevendo, coordenando articulistas – botando a Cirene e o Cônego no seu Muzungu – correndo atrás de patrocinadores, distribuindo o jornal, com a mesma jovialidade dos anos 50…
Talvez um pouco mais educado…
Tanto que, saído o jornal, Domício o procurou para emitir sua opinião:
– Não gostei do nome!
E o Xico:
– Oh! Você é o terceiro! Primeiro foi o “Seu” Pontes. Segundo foi o Charrão.
E antes que o Xico fosse além, o Domício já está pedindo “requeira”:
– Esquece! Gostei do título, sim! Por favor, retire meu nome dessa lista!
Shopenhaurer dizia que: “a consciência humana só se desperta pela dor”. Talvez seja por isso que o Xico anda dizendo que a conscientização não entra pelos olhos, nem pelos ouvidos, mas, sim, por outra via bastante dolorosa…
Gostava de me provocar. E talvez ao Pélmio… Tanto que pagava à Anastázia pela coluna que ela mantinha no Muzungu. De preferência na minha vista…
Mas descobri duas maneiras de fazer a veia do seu pescoço subir: o entra-e-sai. Ou ao contrário: “não sai” e “não entra” …
Digo-lhe:
# FHC não sai do Governo.
# Jornal com esse nome não entra lá em casa.
Sim. Existe uma terceira receita. Mas esta deixo para você. Não sou besta…
Diga-lhe:
– Ó Xico, vou te trazer um retrato do Brizola, em 1964, atravessando a fronteira vestido de mulher…
Ladeira, José Dionísio
Gente Viçosa. / José Dionísio Ladeira – Viçosa, MG: Editora Folha de Viçosa, 2004
288 p.: il.
Ladeira, José Dionísio
Viçosa, a final. / José Dionísio Ladeira – Viçosa, MG: Folha Artes Gráficas, 2017.
342 p.: il.
Quando apresentaram o Francisco Simonini da Silva candidato a Prefeito, os pedetistas pediram pelo amor de Deus:
– Xico, segura as pontas: não perca a esportiva!
E por via das dúvidas colocaram o Nonô Derréia para marcá-lo num corpo a corpo irrenunciável.
Numa noite houve um comício no Alto das Amoras: muito calor, muita poeira, pouca gente.
Xico se controla, procura falar no tom do Leonel, a meia dúzia de gatos pingados nem “tava” aí, tudo bem…
Nonô respira aliviado.
Apenas terminado o comício, novas preocupações pro Derréia. É que um grupo de cursilhistas puxa o De Colores, uma velha canção espanhola, hino oficial dos cursilhos, tudo bem…
Não fosse parecerem que dobravam o “l”. Aquelle do primeiro Fernando:
“De colores. De colores se visten los campos em la primavera. De colores. De colores son los pasaritos que vienen de fuera. De colores. De colores es el arco-iris que face lucir. E por eso las cosas bonitas de muchos colores me gustan a mí.”
E ainda repetiam:
“E por eso las cosas bonitas de muchos colores me gustan a mí.”
E Xico suado, sujo, exausto, mas controlado.
Para alívio do Nonô Derréia.
E voltam para a cidade.
Chegando ao centro, Xico fala: “Vou tomar uma cerveja para matar a sede e me relaxar.” Nonô aprova, abre a garrafa e enche o copo do candidato alquebrado pelas agruras da campanha.
Xico pega o copo e vai levando-o avidamente à boca, quando o Paulinho – filho do Nathayr Coutinho – segura-lhe o braço e expõe seu drama:
– Xico, está quase na hora de eu pegar o serviço na Telemig e esqueci a chave em casa. Dá para você ir lá comigo?
Xico sente o preço do possível voto e responde educadamente:
– Posso, sim. Deixa só eu tomar esta cerveja, porque estou morto de sede.
Nonô respira aliviado.
E Xico retoma o movimento rumo à boca, interrompido pela explicação do Paulinho:
– Xico, minha casa é longe…
E Xico educadamente:
– De carro tudo é simples…
E volta com o copo em direção à boca.
Paulinho é que complica:
– O problema é o tempo: está quase na hora…
E o Xico, mãe da paciência – para espanto do Nonô – com os lábios ainda secos:
– Guenta a mão aí, Paulinho. É só este copo.
E para provar que era só aquele copo:
– Olhe, o Derréia até já tomou o resto da garrafa e já estou pagando…
E tão logo tira o dinheiro, paga a cerveja e retoma o copo para leva-lo à boca, Paulinho puxa-lhe o braço:
– Olha, Xico, estou às suas ordens. A hora que você quiser ir…
E o Xico ainda educadamente:
– Peraí, Paulinho. É só eu molhar a boca com este copo…
E o Paulinho imprudentemente:
– Mas eu estou com pressa…
Aí Nonô Derréia, o guardião, intervém:
– Escuta, seu chato: o Xico não vai te levar a lugar nenhum e você enfia o seu voto…
Ladeira, José Dionísio
Gente Viçosa. / José Dionísio Ladeira – Viçosa, MG: Editora Folha de Viçosa, 2004
288 p.: il.
Ladeira, José Dionísio
Viçosa, a final. / José Dionísio Ladeira – Viçosa, MG: Folha Artes Gráficas, 2017.
342 p.: il.